sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O assalto.

Vínhamos no carro, meu amigo e eu, sorridentes.

Acabamos de sair brilhantemente de uma reunião que ontem nos parecia impossível vencer. Por isso agora o trânsito flui e os sinais ficam verdes para mim. Estou distraído em pensamentos felizes, dignificado pelo trabalho, como disse o filósofo. Não percebo nada.

Meu amigo, no banco do carona, toca meu ombro. Me viro e dou de cara com os olhos dele, arregalados. Uma expressão contraída, a cara branca. Atrás dele, na janela com vidro abaixado, está o assaltante. É magro, alto, apavorante. Se os olhos arregalados do meu amigo me deixaram nervoso, os olhos arregalados do assaltante me gelam o sangue. Sinto uma pontada no fígado, que é a parte do meu corpo que acusa os golpes fortes. E me sinto tomado por uma terrível sensação de medo. Balbucio a única coisa que me vem à cabeça:
- Tudo bem...?

Ele responde, seco:
- Não.

Ele entra no carro e me obriga a acelerar. Meu amigo está falando, com mais habilidade que eu, com mais humanidade que eu. Não há humanidade nenhuma em mim agora. Dizem que é preciso ter sangue frio nessas horas mas, como disse, o meu está gelado. Sinto os pelos da barba eriçados, meus dentes estão cerrados e a raiva me paraliza. O assaltante está dizendo coisas que eu não consigo compreender. No retrovisor vejo sua boca mover-se nervosamente, as íris azuis minúsculas de seus olhos me lembram algum vilão maníaco de filme. Vontade de fazer aquela boca parar de falar, porque embora não esteja discernindo as palavras sei que elas estão me ferindo. Decido não olhar mais para ele e olho duro para frente. Deixo que meu amigo administre a conversa, que ele já passou por isso mas eu nunca.

Em algum momento, não sei precisar quanto tempo depois, o assaltante nos deixa sair e vai embora com o carro. Seguimos em silêncio, estraçalhados. Arrastamos nossos orgulhos como um catador arrasta seu saco de latinhas pela praia. Meu amigo me olha a cada cinco passos: sinto que ele espera por uma piada, meu humor negro já nos salvou de muito silêncio embaraçoso. Mas tenho vontade é de chorar, tamanha a insensatez do que acaba de acontecer.

Horas mais tarde já somos capazes de rir do acontecido. Nós dois, porque as pessoas ao redor nos olham pasmas, repetindo as mesmas frases mecanicamente. Sorte que não aconteceu nada grave. Ainda bem que vocês não reagiram. Aonde esse mundo vai parar?

Meu amigo nem tenta contabilizar o prejuízo, mas eu faço as contas. No assalto, perdi quase três anos.

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