terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Stallone Cobra.


Já contei sobre meu pai, sobre inúmeras desventuras que passei graças ao seu interminável desvelo em edificar meu caráter e fazer de mim um homem. Pois aqui vai mais uma.

Stallone Cobra. Max Prime, canal 80 da Net, numa madrugada dessas. Leia a sinopse do filme, feita pelo próprio canal, pelo qual eu pago mensalmente uma pequena grana:

Mais uma vez Stallone se enrola na bandeira americana e luta pela glória maior da humanidade caçando criminosos. Desta vez ele é um tira.

Note o sarcasmo, o preconceito. Eu mau conseguia parar de assistir uns poucos segundos, enquanto copiava a sinopse da tela para o papel. Naquele exato momento, acontecia uma sequência genial.

Ouve-se batidas eletrônicas, e as cenas foram editadas para encaixar com as batidas eletrônicas, como num video mashup ultra-pioneiro. As cenas são de 3 situações que acontecem simultaneamente, ok?

Vemos robôs, vemos o Cobra em ação e vemos o maníaco com seus seguidores fanáticos. Os robôs não são bem produzidos como os que o James Cameron tinha arrumado para o Schwarzenegger no Exterminador do Futuro. São robôs low budget, com latas de Nescau e olhos de celofane. Robôs feitos pelo Daniel Azulay, sacou? Então corta do robô para o Cobra dando num traveco. Corta para Maníaco amolando a faca. Volta para outro robô. Corta para o Cobra esganando um traficante. Corta para Maníacos brandindo machados num comício. Corta para
mais outro robô. Corta para o Cobra olhando desdenhosamente para pessoas do submundo. Corta para Maníaco experimentando o corte da faca no próprio indicador.

Eu, num estupor de incompreensão, sou pego de surpresa quando os robôs se revelam parte de um cenário de ensaio fotográfico, no qual a modelo é a personagem de Brigitte Nielsen, a mocinha do filme. Essa mesmo, que largou o Stallone por uma outra mocinha.

Os robôs eram uma piada do diretor, só para enganar todo mundo e depois amarrar as 3 situações da edição numa jogada de mestre. Idiotice, dirá você. Cidadão Kane, digo eu.

A mocinha sai do tal ensaio de fotos com o fotógrafo. Eles estão na garagem do prédio - o fotógrafo faz uma proposta chauvinista e indecorosa para ela, um instante antes de serem cercados pelos maníacos assassinos - claro que essa proposta justificará seu assinato sanguinolento e impiedoso. Machadada vai, facada vem, a mocinha escapa entre dezenas de cadáveres. E quem da polícia vai cuidar do caso? Cobra, claro. Percebeu o click entre as 3 situações?

Bom, para encurtar, senão vou estragar o filme para você que ainda não assistiu. Registro que a Brigitte Nielsen era uma gata, e também boa atriz. Dá para perceber que ela já pensava em largar o cinema, a fama, a riqueza e a condição de heterosexual só para não ter mais que aguentar aquele carcamano idiota.

Onde entra o meu pai nessa história? Era 1986 e o filme havia sido encurtado e proibido nacionalmente para menores de 18 anos, por causa da excessiva violência e porque um doido deu uns tiros durante uma exibição. Pois bem: estávamos em Parintins. Eu, menino, junto com ele desbravando aquele lugarzinho desnecessário, quando demos de cara com o letreiro do filme. Em Parintins, terra sem lei, Stallone Cobra estava em cartaz, versão original e sem censura. O velho não pensou duas vezes e assistimos ao filme, entre gritos e pedaços de picolé arremesados pela macacada.

Não sabia o que fazer com todas essas reminiscências até ontem. Meu pai hoje mora do outro lado do mundo e está hospedado em minha casa, para as Festas de Fim de Ano. Durante o jantar, sem mais nem menos, ele me diz: Vou te contar qual é o seu presente. Um DVD do Stallone Cobra!

Assombrado pela coincidência, narro toda a história acima para ele. Sem deixar de perguntar por quê me contar do presente, tão perto do Natal. Ele, com a boca cheia de parmesão:

- Porque esqueci de pôr na mala.

Pequena reflexão sobre o sexo.

Por que as ereções proibidas são as maiores?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Romântico.

Assisti a um filme de arte perturbador. É da década de 60. Vemos a foto de um sorriso, em close. Mas essa foto dá lugar a uma outra quase idêntica, em que o sorriso está um pouco menos evidente. E assim vai, foto a foto, até o sorriso desaparecer e a expressão da boca ficar terrivelmente séria.

Vi também uma obra interessante: um quarto de casal pintado de branco. Cama, todos os móveis, as paredes e os objetos de decoração, inteirinho branco. Mas o quarto está cortado pela metade. É um tributo ao divórcio. Segundo a artista, que também fez o filme acima e mais algumas outras coisas notáveis, o quarto ilustra a manhã em que ela acordou e descobriu que seu marido na época, um tal Anthony Cox, havia dado no pé.

Eu gostei das obras porque me lembram umas coisas que vi do Cildo Meirelles, um brasileiro genial que só agora caiu nas graças da Tate Modern. Gostei também porque são antigas, como disse no começo, são da década de 60.

E finalmente, gostei porque são da Yoko Ono.

Uma artista absolutamente criativa, original, que surgiu em Londres e arrasou em Nova York, a ponto de chamar atenção de um dos 4 caras mais famosos do mundo na época. E que, ao se casar com ele, abriu mão de ter uma carreira, de ser reconhecida como artista. Pior, teve que aguentar mais pedras e merdas que a Geni do Chico Buarque. Por causa da Yoko os Beatles acabaram, o cara abandonou o rock para gravar músicas cheias de berros e barulhos. E Imagine.

Como grande admirador da música dos Beatles e de toda a aura que os caras criaram e desfrutaram, sempre me perguntei os mesmos porquês que todo mundo: o que diabos ela fez para pegar o cara? O que será que ela tinha que era tão bom, tão definitivo, a ponto dele decidir nunca mais aparecer sozinho nem em fotos? A ponto de montar uma banda não só pra tocar com ela, mas batizada com o nome dela? E I'm So Tired, que ele compôs durante uma separação deles que durou algumas semanas:

"I wonder should I call you, but I know what you would do. You'd say I'm putting you on, but it's no joke, it's doing me harm. You know I can't sleep, I can't stop my brain. You know it's three weeks, I'm going insane..."

De sair pelado, com ela, frente e verso, na capa de um disco? - foto que inclusive já invalida a suposição de que ela pudesse ser gostosa.

A resposta para todas as perguntas, que todo mundo ignorou embora o cara sempre repetisse nas entrevistas: "o gênio do casal não sou eu. É ela."

Eu percebi olhando para essa foto, na capa de uma Rolling Stone antiga. A última que os dois tiraram juntos, em 8 de dezembro de 1980, poucas horas antes do assassinato.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Uma foto.

Um cara que não tem as pernas passa na cadeira de rodas. A cadeira é daquelas com rodas inclinadas, mais estável para prática de esportes. Correndo ao lado dele vai um cachorro vira-lata, coleira presa à cadeira.

Aí percebo que o cachorro também é deficiente físico, não tem uma das patas dianteiras. Fascinado acompanho os dois em sua corrida, eles atravessam a rua e já estão longe quando eu tiro a foto.

Fico pensando em quem escolheu quem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Pequena reflexão sobre a Lei da Gravidade.

Dizem que uma torrada sempre cai com o lado da manteiga virado para baixo.
Com o papel higiênico no banheiro aqui do trabalho é o oposto.

Terrorista.


Na fila para o raio-X, tira o sapato, tira o cinto, tira o relógio, tira o computador, a máquina apita e eu me desespero. Detetor de metais portátil, nada de metal? Nada de metal. Meu avião vai sair, eu ainda preciso passar na alfândega, meu amigo. Tira meia, levanta a camisa, vira os bolsos do avesso, e a tromba do povo da fila é maior que a própria fila. O senhor tem algum pino, alguma coisa de metal no corpo? Não, nada, só o aparelho. Aparelho? No dente. Será? Detetor de metais portátil. Piiii. Batata, como diria o Nelson Rodrigues. É o aparelho. Pondo o cinto, calçando sapato sem meia, eu digo para o guarda: se eu fosse terrorista suicida, pra que ía querer consertar o dente?