segunda-feira, 1 de março de 2010

Eu tenho a mesma idade que meu pai.

Tem um filme muito lindo chamado Smoke, com roteiro do Paul Auster. Se passa num microcosmo localizado no Brooklyn, dentro de uma tabacaria. Altamente filosófico, como costuma ser a degustação dos produtos de tabacaria, tem como grande mérito a consagração que proporcionou ao Paul Auster.

Uma das muitas histórias sensacionais que o protagonista conta no filme é a do esquiador nos Alpes, que volta à montanha onde seu pai, também esquiador, morrera 20 anos antes vitimado por uma avalanche. Depois de horas de esqui, o homem se apóia num bloco de gelo para descansar. E dá de cara com o rosto congelado, de seu pai, mumificado na neve. O pai, que permaneceu conservado nos seus 30 e poucos anos, agora encara o filho, que tem a mesma idade.

Lembro sempre dessa história no dia de hoje, 1º de Março, data de nascimento do meu pai. Na verdade ele nasceu num 29 de fevereiro, já que 1948 foi ano bissexto. Foi registrado um dia depois, para que não fizesse aniversário somente a cada quatro anos.

Ainda que a providência tenha sido tomada, quem nasce num ano bissexto não consegue registrar assim tão bem a passagem do tempo. Claro que meu pai, vaidoso como todos nós da nobre linhagem de búfalos africanos machos, se cuidou, fez uns updates no hardware aqui e acolá.

Mas é na cabeça dele que o tempo parece passar lentamente. Ele conseguiu preservar a energia e o entusiasmo para recomeçar a vida pessoal e a carreira profissional quando a maioria já está pendurando as chuteiras. Ele descobre coisas velhas como se fossem novas a cada ano - na última vez que estivemos juntos, fui com ele numa loja de instrumentos musicais: ele tinha decidido comprar um violão para tocar a sério.

Lembro de papos que tivemos na adolescência, eu e ele, sobre livros, política, mulheres. Embora quase sempre discordante, nunca encontrei algum amigo cujo pai tivesse respeito idêntico pelas opiniões do filho como teve o meu. Outra coisa genial dele, absolutamente dele, a mania de transformar presentes em acontecimentos surpresa, que sempre me deixavam petrificado. Disso ele não sabe, mas as pessoas dizem que eu não consigo receber elogios, que eu não sei demonstrar que estou contente. E eu sempre tento explicar que gastei toda a minha capacidade de agradecimento crescendo com os presentes que meu pai dava.

Por tudo isso, e muito mais que nunca caberia nem no mais longo dos textos, Feliz aniversário, Búfalo Pai. Quando crescer eu quero ser jovem como você.

2 comentários:

Rosário disse...

O título do post me chamou a atenção, porque meu pai com 57 anos tem repetido a seguinte frase que o espanta: Eu achava que meu pai era muito velho, agora sou mais velho que meu pai (morreu aos 40 e poucos por causa do cigarro).

Felipe Mortara disse...

Que post é esse, fióti?
De arrepiar, nego.