segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sargento Gomes.



Eram mais de 10 da noite de uma terça-feira e eu seguia ligeiro na direção do Guarujá, pensando nas ondas da manhã seguinte. Eu mais uns amigos iríamos dormir numa pousadinha mequetrefe na Praia do Tombo, para acordarmos as 5 e surfar até umas 8 da matina - para quem não é do metier surfístico, um BV, bate e volta.Enfim.

Enfim que o guarda sinalizou e eu encostei. Lanterna na cara, ilumina o interior do carro: 3 caras, pranchas. Ele mete a cabeça dentro do carro e dá uma cafungada, tentando identificar cheiros ilegais. Nada feito, pede documentos, analisa cuidadosamente, vai até a viatura, volta.
"Dá para o senhor descer do carro?"

Desço. É para abrir o porta-malas, pois não, abro. Ele dá uma fuçada nas coisas, manda fechar, me chama até a viatura. A minha sensação é a de que estou para cair em algum golpe, porque os movimentos dele são esquivos, ele fala meio baixo comigo.
"Chega aqui na viatura. Rapidinho..."

Assino numa tabela, ao lado dos dados do meu carro, e ele me explica.
"A gente tem que anotar os carros que paramos. É para mostrar serviço."

E aí entra no assunto que explica toda a esquisitice de suas atitudes.
"Você conhece uma marca que chama Rip Curl?"
"Conheço..."
"É boa, né?"
"Boa, sim."
"Então... meu irmão mora nos Estados Unidos, me mandou um relógio da Rip Curl de presente. Na verdade mandou dois. Titânio, bonito pacas... Mas eu não uso, já tenho relógio. E como eu tô querendo fazer uma reforma lá em casa, tô aí tentando vender. Quer dar uma olhada?"

Dou uma olhada ao redor. São quase 11 da noite, estou no acostamento escuro de uma rodovia federal, por onde os carros passam a muitos quilômetros por hora. Meus documentos estão com o guarda, meus amigos estão dentro do carro sem saber o que se passa. Eu estou aqui fora, mas também não sei o que se passa. O guarda avança para o porta-malas do carro de polícia.

Ele tira um saco preto lá de dentro, e de dentro do saco preto um relógio. Entrega para mim.
"Vale 3 mil na loja. Eu tô pedindo um e meio."

Ele não se deixa abalar pela minha cara de espanto. Pelo jeito que eu olho para os carros passando velozmente, talvez imaginando que estou sendo multado, punido, até achacado, mas nunca isso: que eu estou diante da imperdível barganha de um Rip Curl titânio, vindo dos EUA, pela metade do preço. E que estupidamente vou deixar passar.

"Você não conhece ninguém que esteja afins de um relógio? É um puta relógião, olha aí..."

Não, não conheço. Pelo menos agora, assim, não me lembro. Ele me diz que, caso alguém queira, é só procurá-lo, tem outras mercadorias.
"E como faz para encontrar o senhor? Faz alguma barbeiragem para ser parado?"

Ele não acha graça:
"Claro que não. Para e pede para um colega me chamar no rádio que eu venho de viatura."

Um comentário:

Felipe Mortara disse...

é mais seguro parar na frente de uma boca em paraisópolis que na frente de um posto da polícia rodoviária.